Não pude deixar de ler novamente estes versos de Camões, expostos na Estalagem de Penedono, referentes aos Doze de Inglaterra e ao "Magriço" (Álvaro Gonçalves Coutinho, natural desta vila) - (episódio histórico ocorrido cerca de 1390).
60
"Já num sublime e público teatro
Se assenta o Rei Inglês com toda a corte.
Estavam três e três e quatro e quatro,
Bem como a cada qual coubera em sorte;
Não são vistos do Sol, do Tejo ao Batro,
De força, esforço e de ânimo mais forte,
Outros doze sair, como os Ingleses,
No campo, contra os onze Portugueses.
61
Mastigam os cavalos, escumando,
Os áureos freios com feroz semblante;
Estava o Sol nas armas rutilando
Como em cristal ou rígido diamante;
Mas enxerga-se, num e noutro bando
Partido desigual e dissonante
Dos onze contra os doze, quando a gente
Começa a alvoroçar-se geralmente.
62
Viram todos o rosto aonde havia
A causa principal do reboliço:
Eis entra um cavaleiro, que trazia
Armas, cavalo, ao bélico serviço;
Ao Rei e às damas fala, e logo se ia
Para os onze, que este era o grão Magriço.
Abraça os companheiros, como amigos,
A quem não falta, certo nos perigos.
63
A dama, como ouviu que este era aquele
Que vinha a defender seu nome e fama,
Se alegra, e veste ali do animal de Hele,
Que a gente bruta mais que virtude ama.
Já dão sinal, e o som da tuba impele
Os belicosos ânimos, que inflama;
Picam de esporas, largam rédeas logo,
Abaixam lanças, fere a terra fogo.
64
Dos cavalos o estrépito parece
Que faz que o chão debaixo todo treme;
O coração, no peito que estremece
De quem os olha, se alvoroça e teme.
Qual do cavalo voa, que não desce;
Qual, co cavalo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas;
Qual cos penachos do elmo açouta as ancas.
65
Algum dali tomou perpétuo sono
E fez da vida ao fim breve intervalo;
Correndo algum cavalo vai sem dono,
E noutra parte o dono sem cavalo.
Cai a soberba Inglesa de seu trono,
Que dois ou três já fora vão do valo.
Os que de espada vêm fazer batalha,
Mais acham já que arnês, escudo e malha.
66
Gastar palavras em contar extremos
De golpes feros, cruas estocadas,
É desses gastadores, que sabemos,
Maus do tempo, com fábulas sonhadas.
Basta, por fim do caso, que entendemos
Que com finezas altas e afamadas,
Com os nossos fica a palma da vitória,
E as damas vencedoras, e com glória.
67
Recolhe o Duque os doze vencedores
Nos seus paços, com festas e alegria;
Cozinheiros ocupa e caçadores,
Das damas a fermosa companhia,
Que querem dar aos seus libertadores
Banquetes mil, cada hora e cada dia,
Enquanto se detêm em Inglaterra,
Até tornar à doce e cara terra.
68
Mas dizem que, contudo, o grão Magriço,
Desejoso de ver as cousas grandes,
Lá se deixou ficar, onde um serviço
Notável à Condessa fez de Frandes;
E, como quem não era já noviço
Em todo o trance, onde tu, Marte, mandes,
Um Francês mata em campo, que o destino
Lá teve de Torcato e de Corvino"
Luís de Camões, OS LUSÍADAS, Canto VI, 60-68
60
"Já num sublime e público teatro
Se assenta o Rei Inglês com toda a corte.
Estavam três e três e quatro e quatro,
Bem como a cada qual coubera em sorte;
Não são vistos do Sol, do Tejo ao Batro,
De força, esforço e de ânimo mais forte,
Outros doze sair, como os Ingleses,
No campo, contra os onze Portugueses.
61
Mastigam os cavalos, escumando,
Os áureos freios com feroz semblante;
Estava o Sol nas armas rutilando
Como em cristal ou rígido diamante;
Mas enxerga-se, num e noutro bando
Partido desigual e dissonante
Dos onze contra os doze, quando a gente
Começa a alvoroçar-se geralmente.
62
Viram todos o rosto aonde havia
A causa principal do reboliço:
Eis entra um cavaleiro, que trazia
Armas, cavalo, ao bélico serviço;
Ao Rei e às damas fala, e logo se ia
Para os onze, que este era o grão Magriço.
Abraça os companheiros, como amigos,
A quem não falta, certo nos perigos.
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A dama, como ouviu que este era aquele
Que vinha a defender seu nome e fama,
Se alegra, e veste ali do animal de Hele,
Que a gente bruta mais que virtude ama.
Já dão sinal, e o som da tuba impele
Os belicosos ânimos, que inflama;
Picam de esporas, largam rédeas logo,
Abaixam lanças, fere a terra fogo.
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Dos cavalos o estrépito parece
Que faz que o chão debaixo todo treme;
O coração, no peito que estremece
De quem os olha, se alvoroça e teme.
Qual do cavalo voa, que não desce;
Qual, co cavalo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas;
Qual cos penachos do elmo açouta as ancas.
65
Algum dali tomou perpétuo sono
E fez da vida ao fim breve intervalo;
Correndo algum cavalo vai sem dono,
E noutra parte o dono sem cavalo.
Cai a soberba Inglesa de seu trono,
Que dois ou três já fora vão do valo.
Os que de espada vêm fazer batalha,
Mais acham já que arnês, escudo e malha.
66
Gastar palavras em contar extremos
De golpes feros, cruas estocadas,
É desses gastadores, que sabemos,
Maus do tempo, com fábulas sonhadas.
Basta, por fim do caso, que entendemos
Que com finezas altas e afamadas,
Com os nossos fica a palma da vitória,
E as damas vencedoras, e com glória.
67
Recolhe o Duque os doze vencedores
Nos seus paços, com festas e alegria;
Cozinheiros ocupa e caçadores,
Das damas a fermosa companhia,
Que querem dar aos seus libertadores
Banquetes mil, cada hora e cada dia,
Enquanto se detêm em Inglaterra,
Até tornar à doce e cara terra.
68
Mas dizem que, contudo, o grão Magriço,
Desejoso de ver as cousas grandes,
Lá se deixou ficar, onde um serviço
Notável à Condessa fez de Frandes;
E, como quem não era já noviço
Em todo o trance, onde tu, Marte, mandes,
Um Francês mata em campo, que o destino
Lá teve de Torcato e de Corvino"
Luís de Camões, OS LUSÍADAS, Canto VI, 60-68