O Fojo

Chaves, Trás-os-Montes, Portugal
Beirão de nascimento, trasmontano por adopção. Nasci em Ferreirim de Sernancelhe, distrito de Viseu, onde fiz a escola primária. Fiz os estudos secundários no Liceu Latino Coelho, em Lamego. A partir de 1972, iniciei estudos na Faculdade de Direito de Coimbra. Em 1978, enquanto estudante, leccionei na Escola Secundária António Inácio da Cruz, em Grândola. Em 1981 leccionei na Escola Secundária de Santiago do Cacém, depois, novamente em Grândola, e em 82/83 na Escola Secundária Dr. Júlio Martins, em Chaves. Em 1985 realizei estágio no 7.º Grupo, em Vila Pouca de Aguiar. Em 1990 regressei a Chaves, desta feita para ingressar no quadro do pessoal docente da Escola Secundária Fernão de Magalhães. Em 2005, Curso de Especialização Pós-Licenciatura em Administração Escolar e Educacional pelo IPB. Em 2011, Curso de Formação em Gestão e Administração Escolar pelo ISEG.

Porquê "O Fojo"?

Chama-se Fojo, como poderia chamar-se Pombal, Cipreste, Gode, Praça, Arrabalde, Tanque, Liberdade, (...). Como poderia chamar-se "A Minha Aldeia". Porque quero que a minha aldeia continue a ser o meu microcosmos, donde visualizo o mundo que fui calcorreando, por vezes de um modo calmo e sereno, outras vezes aos trambolhões e de um modo turbulento.
E é bom que assim seja, para não nos perdermos e continuarmos a ser coerentes com as nossas raízes.
O Fojo não é uma toca, não é um esconderijo. É antes uma interioridade. Talvez um refúgio para onde me posso retirar e reencontrar no íntimo do meu ser, de modo a abandonar o que não me pertence e o que se me agarra de uma forma estranha e por vezes doentia.
O Fojo é, no fundo, a minha aldeia com as suas gentes, a sua religiosidade, os seus costumes ancestrais, os seus vinhedos, os seus olivais, o seu granito, o seu húmus, (...). Representa também todos os locais por onde passei, todas as pessoas que conheci, todas as vivências que interiorizei, a partir desse microcosmos.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

 A ALMA DAS PEDRAS

A ALMA DAS PEDRAS

mitos, lendas e representações que as fragas sugerem 

Veio a lume, no dia 29 de Outubro de 2020, a obra A ALMA DAS PEDRAS – mitos, lendas e representações que as fragas sugerem, da autoria de Altino Rio e Herculano Pombo.

O primeiro capítulo, Pedras banais e fragas míticas, consta de 20 crónicas que nos ajudam a compreender a toponímia e a História de Santa Leocádia, Arcossó, Paradela, Curral de Vacas, Cambedo, Vilarelho, Sanjurge, Calvão, Soutelinho, Bustelo, Vale de Anta, Faiões, Outeiro Seco, Monforte, Castelões, Castelo do Mau Vizinho, Bolideira, Mairos, S. Lourenço, Castelo e Eiras. Por alguns desses locais passaram romanos e franceses (invasão de Soult); pedras que nos revelam esconderijos e atalaias; a raia do desassossego que nos faz recordar memórias sofridas, guerrilheiros e sonhos da liberdade; a mineração do volfrâmio; o Auto da Paixão.
Podemos ver pedras que sugerem bichos de sangue frio, patas de pita, bicadas de galo, cães endoidecidos, uma cova onde a burrinha se espolinhou, marcas de ferraduras, escorregas, sinos, tábuas aparelhadas, serrotes de serranchim gigante, um ovo sineiro, abrigos onde se cozinharam petiscos, esconderijos, o fragão da raposa, as pias de Lagarelhos, a pedra da serpente, fojos de lobos, abrigos de anhos e cabritos.Pedras, fragas e fragaredos que representam rebolos de granito, mole de granito esfíngica, um rebo de ar tisnado, a ciclópica nariganga, a pedra celta (touro divinizado), o picoto da Lamarelha, a pedra embanadiça, os abrigos da Fraga da Pala, a Fraga do Engano que ludibriava os mais incautos.A obra conduz-nos ainda para mouras encantadas, duendes, bruxas, trasgos e dianhos, a sala do diabo, o som cavo do Sino das Bruxas, ribeiras com os seus moinhos onde moleiros e lavadeiras ganhavam o seu pão, passadiços de madeira, o conjunto lítico semelhante a uma anta em Lagarelhos, uma rocha com duas covas, pedras a servir de contraforte a casebres. Pedras que representam símbolos religiosos: a memória do Auto da Paixão de um cruzeiro, a cruz na rocha, a fraga do sino das pedras, símbolos cruciformes, o Monte da Cruz de Malta, a cova funda da Pia do Batizado, a cruz em cima de um fragaredo, a avó do Cristo de Santa Ana, o abrigo da devesa do Padre João. A lenda do Outeiro do Salto, a Fraga escorrega, a água da pia da Fraga do Engaranho que sara maleitas, o fragão do tamboril, a avantesma granítica da Fraga do Martinho, o Largo da Eira do Forno que ostenta duas estelas funerárias, as trutas do rio Mouce, o amuralhado castrejo do Outeiro dos Mouros, a Fraga da Cavaleira com os seus 30 metros de altura, lugares rupestres, lajes aprainadas e as cascatas de águas saltaricas da Ribeira de Loivos são mais um conjunto de lugares, figuras e imagens com que os autores nos quiseram obsequiar.
 
Segue-se o capítulo ludus naturae ou entretenimento da Natureza, como refere o Dr. Manuel Carvalho Martins no prefácio do livro. Consta de um conjunto de fotografias, da autoria de Altino Rio, acompanhadas de legendas descritivas que lhes conferem ainda mais encanto.
Perpassam por estas páginas pedras, fragas e fragaredos relacionadas com seres humanos: o senhor marquês, os encapuzados, os pais e o menino em fuga para o Egipto, a corda ao pescoço de um condenado, o rosto carcomido, a caveira, a dentada no hambúrguer, o rosto resignado da morte, o penedo de barriga empinada com as mãos nos bolsos, as nádegas em alívio despudorado, os negros e túmidos testículos, a pedra de olhos e boca rasgados num sorriso, a cabeça perdida, o penedo fálico.
Pedras e fragas que nos fazem lembrar animais de todo o tipo: o hominídeo e o seu assarapantado assombro, a baleia que deu à costa, as beiças de um bicho, a foca obesa, o cão sentado, o sorriso afável do bicharoco, o cão da Srª da Aparecida, o leão de juba farta e farfalhuda, os uivos de bichos pétreos, os elefantes, a lebre, o prescutar de um bicharoco, o uivo lamentoso do lobo, o bicharoco sobre uma cabeça risonha, o carneiro de recurvos cornos, as crias de um bicho estranho que espera cibos que lhes acalme a fome, o pulo alegre do cachorrito, o cão laboreiro, o bicho de olhar fixo e de beiça descaída, o olharapo curioso, fragas de afectos e paixões.
Pedras e fragas que representam répteis e outros bichos: os sardões no calor soalheiro das fragas, cadáver de peixe, o camaleão, os ofídeos em êxtase de um namoro apaixonado, a cópula lenta dos cágados, a tartaruga, o jacaré, o sardão, o moribundo dinossáurio, o cágado que saboreia o sol, o sapo alapado no quente soalheiro.
Outras sugerem-nos aves: o rechonchudo paquiderme, a ave a debicar grãos, o poiso e o território da gralha em cima do despudorado e gordo nalgueiro, a pássara no choco dos ovos, o piar lamentoso e agoirento de um corujão de pedra, o pato, o sapo, o passarão, a pássara de trinca-pinhões, a galinha no choco, pássaros que trocam chilreios de melodias mudas, a ave agachada sobre as fragas, o antártico pinguim, pássaros de pedra.
ainda fragas moldadas pelo tempo: as pedras gémeas, as pedras afectuosas e namoradeiras, o uivo da esfinge, as bôlas de pão, o pequeno às cavalitas do pai, o disco voador, a boina na agigantada cabeçorra, o humor azedio de uma fraga, as imóveis narigangas, o hambúrguer com batatas fritas, a obra inacabada, o contrabandista com o trelo às costas e boina galega, a panela e o testo, o penedo indiferente à modernidade, os penedos a segredar, o penedo enroscado e sereno, a pedra de duas caras, penedias fálicas, a fraga decepada, a pedra avelhentada, pedras encapuzadas, a concha de um caracol.

O terceiro capítulo, Cada pedra seu destino as pedras também falam. Mais um conjunto de belas fotografias e excelentes legendas descritivas inseridas numa construção cultural e social que enriquecem a História do concelho de Chaves. O trabalho que conduziu à feitura desta obra foi levado a cabo pelos autores que calcorrearam lugares, investigaram e identificaram pedras e fragas, acompanhados por pessoas conhecedoras das localidades.

Herculano Pombo, o autor dos ensaios escritos, soube olhar as pedras, escutar as suas vozes, os seus gemidos e os seus segredos. Deu-lhe uma roupagem muito própria recheada de um léxico riquíssimo, apresentando-nos textos densos que nos informam e enriquecem com regionalismos e neologismos (louvo a ousadia!) que engrandecem a sua escrita. Altino Rio apresenta-nos um conjunto vasto de fotografias alusivas à temática que são testemunho do trabalho realizado.

A obra em causa permite-nos conhecer melhor o concelho de Chaves graças aos vinte ensaios que narram a História de freguesias, de locais, lendas, mitos, figuras e representações. Esclarecem-nos ainda o étimo das palavras provenientes do latim, do grego e do galego. Escreveu Aquilino Ribeiro: “A linguagem é a vestidura do pensamento … Mas trata-se de uma vestidura de espécie singular que tem por objetivo não apenas envolver, mas moldar, tal uma musselina, esse fantasma cuja incorporeidade, sem ela, seria impercetível” (Carta-Prefácio, de Aquilino Ribeiro, Do “Dicionário de calão” por Albino Lapa, Lisboa, 1959). Herculano Pombo escolheu as melhores palavras para envolver e dar vida a pedras, fragas, locais, figuras e comunidades. A obra termina com um glossário para melhor compreensão dos regionalismos e neologismos usados nas crónicas e nas legendas, fotografias com os colaboradores, biografias e publicações dos autores.

Quem viveu em meio rural nunca deixou de usar pedras, fragas e fragaredos em diversos contextos: para abrigo de uma inesperada trovoada ou do vento frio e enregelado; em momentos de leitura ao sol primaveril; nas malhadas realizadas em enormes eiras na debulha do milho, do feijão, do grão-de-bico, do trigo ou do centeio; nas diversas brincadeiras com bugalhos ou pequenos paus e pedrinhas, a imitarem animais, em cima de uma fraga; quem nunca se sentiu um cowboy a subir, a trote, fragas e fraguedos? 

As pedras, as fragas e os fragaredos fazem parte da História de muitos lugares, contribuindo para uma identidade muito própria das comunidades, e de muitas das nossas histórias ao longo da nossa vida.

Como refere o Sr. Vice-Presidente do município de Chaves, na mensagem inserta no livro, foram apresentadas 20 crónicas de um total de 132 localidades, podendo deduzir-se que há um património cultural ainda por desbravar.

Parabéns aos autores por esta excelente obra!

Fernando Félix de Almeida Castro

(Os autores seguiram a ortografia anterior ao do Acordo Ortográfico de 1990. Tentei ser coerente com esse princípio).