Introdução
Ao falarmos, hoje, no novo modelo de gestão das escolas não podemos deixar de falar também no papel que os pais e encarregados de educação podem ter na elaboração do projecto educativo e, por conseguinte, na própria gestão escolar, juntamente com os restantes intervenientes no processo educativo. Hoje, questionamo-nos se a intervenção dos pais nas escolas é ou não útil; interrogamo-nos do motivo da ida dos pais à escola apenas no fim dos períodos lectivos; interrogamo-nos acerca da diversidade cultural dos pais, criando eles próprios estratos sociais que se revelam no sucesso/insucesso dos seus educandos; interrogamo-nos acerca das dificuldades de carácter laboral que os pais sentem quando querem acompanhar os seus filhos e ir à escola. Reflectir sobre este assunto parece-nos de grande importância nos tempos de hoje.
1. Enquadramento legal
Este tema tem enquadramento legal como veremos seguidamente.
Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem refere que:
a. Toda a pessoa tem direito à educação.
b. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.
A Declaração Internacional dos Direitos da Criança estabelece: “O melhor para o interesse da criança será o princípio orientador para os responsáveis pela sua orientação e educação. Esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar aos pais”.
A nossa Constituição considera que “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” (Art.º 36., n.º 5).
O Art.º 67.º da lei fundamental refere no seu n.º 1: “A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”.
O n.º 2, c) do mesmo Art.º enuncia que “ [Incumbe ao Estado] cooperar com os pais na educação dos filhos.”
Perante estes normativos verificamos que a colaboração entre os pais e professores é fundamental na educação dos nossos alunos, e que a legislação defende esse direito.
Veremos seguidamente de que modo os pais podem participar na gestão de acordo com o novo modelo de gestão.
A LBSE no artigo n.º 43.º n.º 2 diz-nos que “ o sistema educativo deve ser dotado de estruturas administrativas de âmbito nacional, regional autónomo, regional e local, que assegurem a sua interligação com a comunidade mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, de entidades representativas das actividades sociais, económicas e culturais e ainda de instituições de carácter científico”. E no ponto 2, do artigo 45.º, refere-se ainda que”... a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo ...”.
O novo modelo vem, quanto a nós, reforçar o papel que os pais podem ter na gestão dos estabelecimentos de ensino não superior. Os pais e encarregados de educação podem também ter os seus representantes na assembleia eleitoral que irá eleger os membros do conselho executivo. Têm também a sua representação no conselho pedagógico como órgão de coordenação e orientação educativa da escola, nomeadamente nos domínios pedagógico-didáctico, da orientação dos alunos (art.º 24º do D-L 115-A/98). É importante a referência à “responsabilidade partilhada por toda a comunidade educativa, na valorização dos diversos intervenientes no processo educativo, designadamente professores, pais, estudantes, pessoal não docente e representantes do poder local”. A participação dos pais está garantida nos diversos órgãos, excepto no Conselho Executivo.
Assim, os pais e encarregados de educação podem ter um representante nos conselhos de turma. Há ainda o contributo que os pais podem dar às escolas na elaboração do projecto educativo, do regulamento interno e do plano de actividades. Têm também uma importância enorme (a título individual) na sua relação com os directores de turma, como, aliás, já acontecia nos anteriores modelos de gestão, e o direito que as associações de pais têm para reunir com os órgãos de administração e gestão dos estabelecimentos de educação ou de ensino para acompanhar a sua participação nas actividades da escola, sempre que o julguem necessário.
Segundo o Art.º 12.º do Dec-Lei n.º 6/2001, de 18 de Junho “A escola deve assegurar a participação dos alunos e dos pais e encarregados de educação no processo de avaliação das aprendizagens, em condições a estabelecer no respectivo regulamento interno”.
A legislação mais recente refere que os órgãos de gestão devem assegurar a divulgação dos critérios de avaliação aos encarregados de educação. Indica o papel que os pais e encarregados de educação têm na avaliação formativa e sumativa dos seus educandos e os poderes que têm na revisão das deliberações do conselho de turma.
O Dec.Lei 1/2005, de 5 de Janeiro, afirma que os encarregados de educação intervêm no processo de avaliação dos seus educandos.
O Estatuto do Aluno do Ensino não Superior (Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro) no seu art.º 6.º, n.º 1 nos diz que “aos pais e encarregados de educação incumbe, (…), uma especial responsabilidade, inerente ao seu poder-dever de dirigirem a educação dos seus filhos e educandos, no interesse destes, e de promoverem activamente o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos mesmos”. De entre alguns deveres salientaríamos a articulação entre a educação na família e o ensino escolar; que as famílias devem contribuir para a criação e execução do projecto educativo e do regulamento interno da escola; que devem cooperar com os professores; contribuir para o correcto apuramento dos factos em processo disciplinar; etc.
Focariamos por último o Dec.- Lei n.º 372/90, de 27 de Novembro, que constitui um dos avanços mais significativos de interesse para os pais e encarregados de educação.
2. Autonomia e participação
Para Machado, autonomia significa, em sentido genérico, o poder de se autodeterminar, de auto-regular os próprios interesses – ou o poder de se dar a própria norma opondo-se, assim, a “heteronomia”, que traduz a ideia de subordinação a normas dadas (e impostas) por outrem (1982: 8)[1]. Isto significa que as escolas, não podendo gozar de plena autonomia, gozarão de competências importantes no plano pedagógico e científico, o que implica um certo grau de autonomia nos domínios administrativo e financeiro.
Relativamente ao conceito de participação Santos Guerra (2002:78) ensina-nos que a palavra vem do verbo latino participare que significa tomar parte. E os pais e encarregados de educação devem tomar parte na educação dos seus filhos. Para isso é necessário tomar parte na gestão das escolas. No fundo pais e escolas devem ser parceiros relativamente ao processo de socialização dos alunos. O conceito de participação anda assim associado ao de democracia. Não se pode deixar de ter em consideração os princípios jurídico-políticos que constam da legislação fundamental no estudo da participação duma organização de uma escola. É através desses princípios que se exerce a autonomia nas escolas, referida no Dec.- Lei n.º 43/89, de 3 de Fevereiro: autonomia cultural; autonomia pedagógica; administrativa e financeira.
É através do projecto educativo que se exerce a autonomia nas escolas, e a participação surge como condição fundamental para a definição e desenvolvimento dessa autonomia.
3. A participação dos pais no processo educativo
É importantíssima a participação dos pais nas três grandes fases desse processo: concepção, execução e avaliação.
No entanto, verificamos que não é fácil desenvolver nas escolas uma cultura de participação como refere João Barroso (1995:29).
Hoje, relativamente a este assunto, constatamos que:
- a legislação actual permite que a participação dos pais no novo modelo de gestão seja cada vez maior e de grande relevo no processo educativo;
- aos pais deparam-se-lhes muitos obstáculos em todo este processo: uns, têm a ver com a falta de conhecimentos que grande parte dos pais tem nesta matéria; outros, provenientes da incompatibilidade de horários que há entre os empregos e as escolas e da falta de tempo que os pais têm para com os seus filhos. E isso reflecte-se na escola;
- como afirmam dois autores italianos Franco Ghilardi e Carlo Spallarossa (1989: 75), “não subsiste o perigo de que a colaboração dos pais se transforme em invasão e em motivo de perturbação da actividade didáctica normal? Certamente, como em cada actividade que prevê a colaboração entre pessoas diversas, existem perigos de distorção e de interpretações erradas da própria função. Mas o maior perigo é talvez precisamente o contrário, o de uma comunidade que fala muito da escola, mas que faz pouco para sustentá-la”;
- pensamos que o novo modelo de gestão garante mais direitos aos pais. Mas esses direitos implicam também deveres e muita responsabilidade, sem os quais os objectivos mais promissores não serão alcançados. Com estes mecanismos legais e com associações de pais capazes e actuantes que desenvolvam na escola “uma cultura de colaboração e de participação entre todos os que asseguram o funcionamento da escola”, como afirma João Barroso (1995: 29).
- é fundamental que haja delegados de pais de turma e que se interessem pelos problemas dessa mesma turma;
- de constatar que no ensino secundário muitos dos alunos já são encarregados de educação de si próprios o que afasta em grande parte os pais da escola, interessando-se apenas pelas médias que os filhos devem ter para ingressar no ensino superior.
Vivemos hoje uma crise de valores que se repercute na escola e na educação dos nossos jovens, onde há uma dependência muito forte em relação às actividades lúdicas, como sejam os jogos de computadores, a Internet e a televisão. Os pais, muitas vezes fora de casa, não acompanham o crescimento dos seus filhos e não passam o tempo suficiente com eles. Por isso é fundamental, é urgente que os pais partilhem com os diversos agentes educativos algum poder que a escola lhes oferece, no sentido de termos cada vez mais uma educação que contribua para o desenvolvimento do nosso país. Ensina-nos Mayo, I. C. (1996: 370), que há três condições básicas para assegurar uma boa participação: poder participar, saber participar e querer participar. E isso não está a acontecer nas nossas escolas.
Sobre este tema é elucidativo um texto de Santos Guerra (2002:76) que afirma que “não são muitos os pais e as mães que se associam, faltam perspectivas democráticas na participação (predomina a preocupação pelo filho ou pela filha face aos interesses gerais da instituição), continua-se a participar em questões acidentais (…), deixando à margem as mais importantes”. Diz-nos ainda o mesmo autor que falar de participação na escola é falar de democracia e a participação supõe que o poder deva ser partilhado.
A experiência revela-nos cada vez mais a importância dos pais na gestão escolar. Mas é também fundamental que os pais contribuam em casa para a educação dos seus filhos.
Conclusão
Pensamos que a educação, desde o 25 de Abril, ainda não se encontrou consigo mesma. Os professores e os pais vivem tempos difíceis. Trabalhamos em estabelecimentos onde impera algum laxismo. Aos alunos, no seio familiar, não lhes são incutidos valores de trabalho, de alguma disciplina, de respeito. A escola é um espelho desse ambiente, onde cada vez mais é difícil ensinar e aprender, e onde impera algum facilitismo. Só com trabalho, esforço, disciplina e gosto pelo sucesso é possível melhorar a educação nos nossos estabelecimentos de ensino. Só nesta perspectiva compreendemos a colaboração e a participação dos pais nos órgãos de gestão das escolas.
Bibliografia
BARROSO, João (1995). Para o desenvolvimento de uma cultura de participação na escola. Instituto de Inovação Educacional. Editorial do M. da Educação.
BRITO, C. (1994). Gestão Escolar Participada. Lisboa: Texto Editora.
COSTA, J. A.(1992). Gestão Escolar – participação – autonomia – projecto educativo. Lisboa: Texto Editora.
CUNHA, Adérito.(2004). Reforma do Ensino Secundário. Porto: Edições ASA.
GHILARDI, Franco e SPALLAROSSA, Carlo. (1989). Guia Para A Organização da Escola. Rio Tinto: Edições ASA.
GUERRA, M. A. Santos. (2002). Os desafios da participação. Desenvolver a democracia na escola. Porto: Porto Editora.
MAYO, I. C. (1996). Manual de Organización de Centros Educativos. Barcelona: Edición Oikos-Tau.
TRIPA, M. R. P. (1994) O Novo Modelo de Gestão. Rio Tinto: Edições ASA.
[1] Citado por COSTA, J. A., Gestão Escolar, Texto Editora